Batistas & Bíblia: uma conversa informal

Texto apresentado em painel no encontro de catequistas da CNBB em outubro de 2005.
Publicado na íntegra em Cadernos da CNBB, n.91, São Paulo:Paulus, 2006.

Lília Dias Marianno.

Um cotidiano que já vem de quatro gerações

Certa vez, uma mulher de origem batista e de condição muito pobre, contava com pouco mais de vinte anos quando começou a passar por sérias crises em seu casamento. Decidida, resolveu salvar sua união conjugal através daquilo que ela conhecia, de sua família e também dos irmãos de sua igreja, como culto doméstico. O culto doméstico deveria ser um momento diário em que, a família reunida, ocuparia algum tempo para a leitura e exposição do texto bíblico e para a oração. Mas o marido nunca estava presente, como fazer? Assim, a jovem senhora decidiu fazer o “culto doméstico” com sua filhinha de três anos. Para suprir a ausência de uma explanação do texto bíblico para uma criança tão pequena, a jovem senhora resolveu adotar o procedimento de fazer sua filhinha decorar os versículos bíblicos. Num desses cultos domésticos, a mãe resolveu ensinar à pequena o seguinte verso: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça”. A menininha deveria responder até conseguir falar de cor o verso bíblico, como já havia feito com tantos outros ao longo de tantos cultos diários. Mas a pequena não conseguia. A mãe dizia: vamos, filhinha, repete com a mamãe: “onde abundou o pecado”, superabundou a graça. Então imediatamente a pequena respondeu: “não mãe, abunda é feio!”.
Talvez nem fosse necessário revelar que a jovem senhora era minha mãe e a pequena era eu, com uma atitude de análise semântica ultra-ortodoxa, mas ao mesmo tempo uma crítica ao texto que, se houvesse condições de se avaliar a profundidade do problema, por certo outro caminho teria sido tomado. Ou quem sabe, já fosse um “prenúncio profético” de que a ocupação da pequena seria “exegeta”.
Mães batistas, pelo menos na minha época, foram ensinadas a fazer com que seus filhos decorassem o texto bíblico. Era uma forma de ensinar a criança no caminho onde deveria andar para quando crescer não se desviar dele (Pv.22:6). Não importava se aquilo fazia ou não sentido na cabeça dos pequeninos. O que importava era incutir o texto bíblico. No futuro ia ser útil para alguma coisa. E eu pertenço à quarta geração de batistas...
Determinados termos vulgares, na década de 60, tidos como corriqueiros na atualidade, também eram banidos de nosso vocabulário desde que aprendíamos a balbuciar as primeiras palavras. Não podiam ser pronunciados. Eram “palavras torpes” (Ef. 4:29) e não deveriam sair da nossa boca. Minha negativa se deu justamente porque, com três anos de idade e um vocabulário bastante reduzido, eu já sabia que aquele termo era uma palavra proibida, e não podia falar, e isso me tinha sido ensinado pela minha própria mamãe. Como é que ela, agora, contradizia tudo o que me ensinara?
Ao mesmo tempo em que, quando menina, me recusei a pronunciar uma palavra que, me soava como um xingamento, também minha mamãe não dominava os rudimentos da simplificação do vocabulário e, por certo, algum tipo de revista de escola bíblica dominical determinara que aquele deveria ser o texto da leitura bíblica diária. E isso não deveria ser mudado. Sim! Alterar o texto da leitura estabelecido nas revistas de nossa denominação era quase uma heresia!

“Oh! Quanto amo a Tua Lei”

Retornar um pouco a essa via do passado ajuda-me a perceber a importância e a centralidade da Bíblia na vida dos batistas, algo que sai de nossos documentos denominacionais e atinge a micro-estrutura familiar, chegando até a mente de uma criança com três anos de idade. E embora a história verídica mais pareça uma anedota, ela nos leva a percorrer a vereda do cotidiano dos batistas com a Bíblia, o Texto Sagrado, nossa regra de fé e conduta. Mas muitas vezes temos nos encontrado meio que divididos entre uma ética de vida concreta, fundamentada nos ensinos bíblicos ou a acomodação com a literalidade.
Enquanto crescíamos dentro das igrejas batistas, pessoas da minha idade presenciaram e participaram de inúmeras gincanas propostas nas Escolas Bíblicas Dominicais. Muita gente se pergunta por que os batistas sempre tiveram dois cultos no domingo? Um era para evangelização, à noite, mas o primeiro momento, o da manhã, e, salvo raras exceções, na primeira hora da manhã do domingo, era tempo do estudo da Bíblia, seguido pelo dito “culto doutrinário”.
Classes divididas por faixa etária separavam-se para o estudo da Bíblia. Havia (e ainda há) um currículo para os estudos dominicais que perpassa todo o conteúdo bíblico. Quase que sem variação, aos domingos pela manhã, das nove às dez horas da manhã estão as mais de seis mil igrejas batistas de nosso país e, teoricamente, os mais de um milhão de batistas realizando estudos bíblicos. Depois que o estudo era encerrado, um momento que variava de quinze à trinta minutos reunia todas as classes no templo. Ali as crianças recitavam o verso bíblico decorado (cada faixa etária tinha seu próprio recitativo) e as classes de adolescentes, jovens e adultos eram estimuladas com gincanas bíblicas. Nestas gincanas eram feitos programas de perguntas e respostas e também maratonas de leituras bíblicas, cujo objetivo era ler a Bíblia toda em um ano. Os participantes ganhavam os registros para marcarem a leitura bíblica. Ao final do ano aquele registro era enviado para a Imprensa Bíblica Brasileira e esta emitia ao leitor um certificado de conclusão de leitura da Bíblia.
Muitos colecionavam estes certificados. Ouvi falar de um irmão que já tinha lido a Bíblia inteira mais de quarenta e duas vezes. Nós, mais jovens, olhávamos estas pessoas como verdadeiros ícones, e quase nos matávamos quando chegávamos à Levítico com aquelas inúmeras listagens de utensílios do tabernáculo e leis que proibiam tudo. Muitos desistiam da maratona ali. Outros conseguiam superar o Levítico mas “engasgavam” em Crônicas com as intermináveis listagens genealógicas. Ali outra metade desistia. Mas os que venciam Levítico, Crônicas, o Salmo 119 e as estranhas visões de Ezequiel e Zacarias chegavam logo, logo à delícia do Novo Testamento. Ah! As bem-aventuranças. Era uma glória chegar até elas! E os ensinos de Paulo? As epístolas pastorais nos alegravam o coração sabendo que estávamos na reta final. Por fim, erguíamos o registro de leituras bíblicas orgulhosos quando terminávamos o Apocalipse. Se nos perguntassem o sentido deste último livro, ninguém sabia muito bem, mas tínhamos terminado a maratona. E isso era glorioso. Eu mesma percorri esta via umas oito vezes, depois desisti de contar. Por isso, não era pequeno o número de pessoas que se entendiam vocacionadas para o ministério pastoral que, ao chegarem às instituições de ensino teológico, já conheciam o conteúdo do texto bíblico de norte a sul, leste a oeste.
Um pouquinho da nossa história.
Esta minha memória é também a de muitas pessoas de gerações anteriores, da minha geração e continua sendo a de gerações mais recentes, sobretudo no interior do país ou em comunidades de periferias. Mas os grandes centros já não conseguem mais atrair a atenção dos batistas para a Bíblia desse jeito. Temos sido vencidos pela pós-modernidade e seu sistema de valores confuso e pouco centrado. Mas por que tanta ênfase na leitura e memorização de textos bíblicos?
A expressão batista surgiu no século 17, somos, portanto, reformados, ao contrário do que tentam afirmar alguns de nossos mais ortodoxos membros, quando querem remeter nossas origens à João Batista. Supõe-se que a expressão batista seja uma simplificação do termo “anabatista” que é aquele que batiza de novo.
Nossa origem remonta ao puritanismo (1534), grupo sectário, oriundo do anglicanismo inglês. A primeira igreja batista que se tem notícia foi fundada em Amsterdã, em 1609 por John Smyth. Após a morte de John Smyth uma parte dos batistas se uniu aos menonitas. O grupo que se manteve fiel aos ideais de Smyth fundou em 1612 uma igreja em Londres. Este grupo cresceu na Inglaterra debaixo de forte perseguição da Igreja Anglicana. Muitos migraram para os EUA em busca de liberdade religiosa. A primeira Igreja Batista nos EUA foi fundada em Providence, em 1639, na colônia de Rhode Island. A partir daí os batistas se espalharam por todo o mundo chegando ao Brasil em 1860 através de Jefferson Bowen e consolidando-se a partir de 1882 com Willian Bagby.
Entre os documentos batistas mais relevantes, encontra-se a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira[2]. Em sua introdução está escrito que:

“os discípulos de Jesus Cristo que vieram a ser designados pelo nome batista se caracterizavam pela sua fidelidade às Escrituras e por isso só recebiam em suas comunidades, como membros atuantes, pessoas convertidas pelo Espírito Santo de Deus [...] e não reconheciam como válido o batismo administrado na infância por qualquer grupo cristão, pois para eles, crianças recém-nascidas não poderiam ter consciência do pecado, regeneração, fé e salvação”[3].

Todo este “ardor” e “zelo” com que os batistas têm convivido com a Bíblia ao longo de sua existência, fruto inclusive de nossa inegável participação no movimento puritano, terminou por acarretar duas situações que se fazem notar de forma muito evidente em outros círculos cristãos. A primeira delas é uma rejeição por vezes consciente e por vezes inconsciente da fé de outros grupos de cristãos, principalmente dos que batizavam recém-nascidos. De forma direta e também indireta, escutei inúmeros sermões alegando que cristãos que batizavam crianças que não tinham condições de ter consciência do pecado ou se arrepender do mesmo não levavam “à sério” a doutrina da Salvação.
Com isso, a segunda situação foi mera conseqüência: uma espécie de “superioridade espiritual” no meio batista sempre existiu. Sempre se acreditou, em nosso meio, que batistas eram “mais cristãos” que outros segmentos.
Por se colocarem nesta política de exclusividade, os batistas sempre estiveram muito distantes dos círculos ecumênicos ou de comunidades de resistência política. Inclusive porque, em muitos momentos de nossa história, nossa denominação sempre se fez representar nas cadeiras conservadoras da direita, inclusive durante o regime militar.
Encontrar batistas em movimentos com as características políticas das CEBs era, moralmente falando, algo tido como “imoral”. Fomos fundados por missionários batistas norte-americanos no século XIX e que, por sua vez, sempre tiveram posições políticas de direita. Ou seja, sempre houve em nosso meio, uma quase total incapacidade de diálogo com outros segmentos denominacionais do cristianismo, em especial os católicos ou outros grupos que se posicionavam politicamente como oposição.

Em algum lugar entre a letra que mata e o espírito que vivifica

Quanto à Bíblia, nosso documento de Declaração Doutrinária diz que:

“A Bíblia é a palavra de Deus em linguagem humana. É o registro da revelação que Deus fez de si mesmo aos homens. Sendo Deus seu verdadeiro autor, foi escrita por homens inspirados e dirigidos pelo Espírito Santo. [...] seu conteúdo é a verdade, sem mescla de erro, e por isso é um perfeito tesouro de instrução divina [...] é a autoridade única em matéria de religião, fiel padrão pelo qual devem ser aferidas as doutrinas e a conduta dos homens. Ela deve ser interpretada sempre á luz da pessoa e dos ensinos de Jesus Cristo”[4].

E quanto à igreja, ainda diz:

“... a igreja é uma congregação local de pessoas regeneradas e batizadas após profissão de fé [...] tais congregações são constituídas por livre vontade dessas pessoas com finalidade de prestarem culto a Deus, observarem as ordenanças de Jesus, meditarem nos ensinamentos da Bíblia para a edificação mútua e para a propagação do Evangelho”[5].

Já na Declaração de Princípios Batistas consta o seguinte:

“A Bíblia fala com autoridade porque é a palavra de Deus. É a suprema regra de fé e prática porque é testemunha fidedigna e inspirada dos atos maravilhosos de Deus através da revelação de si mesmo e da redenção, sendo tudo patenteado na vida, nos ensinamentos e na obra salvadora de Jesus. As Escrituras revelam a mente de Cristo e ensinam o significado de seu domínio. [...] A Bíblia é a autoridade final que atrai as pessoas a Cristo e as guia em todas as questões da fé cristã e dever moral. O indivíduo tem que aceitar a responsabilidade de estudar a Bíblia com a mente aberta e com atitude reverente. Procurando o significado de sua mensagem através de pesquisa e oração, orientando a vida debaixo de sua disciplina e instrução.”[6].

É neste ponto que, nossa declaração de princípios tem esbarrado com alguns rudimentos do diálogo ecumênico com a Bíblia. Isso porque, toda nossa declaração doutrinária, ao mesmo tempo em que estabelece a primazia da Palavra incentiva o livre exame da Escritura, e a atitude de reverência ao texto bíblico. Muitas vezes para sermos reverentes ao texto bíblico temos que romper com certos paradigmas institucionais como Jesus fez em sua época. E não se pode estudar a Bíblia com mente aberta sem dialogar com os demais segmentos cristãos, que também colocam a Bíblia como centro, como regra de fé e conduta, como livro normativo. Mas como vencer a tentação de se acomodar com a literalidade do texto bíblico e partir para uma ética que se faz viva através da ação do Espírito Santo na Igreja de Cristo na terra, que por certo não é metodista, presbiteriana, congregacional, católica, assembleiana e muito menos batista?

Tempos confusos que demandam certezas

Neste momento desejo fazer uma análise muito pessoal do que, como batista há quase quarenta anos, tenho observado, não apenas do meu contexto congregacional local mas principalmente do contexto denominacional mais amplo. Acredito ter condições de expressar-me desta forma por estar trabalhando ininterruptamente na liderança batista há vinte e quatro anos, a nível local, regional e também nacional, e em diversos de nossos órgãos representativos, além de ser filha de um pastor batista e conhecer com profundidade o cotidiano de nossos líderes eclesiásticos. Antes, porém, desejo reconhecer também a limitação de minha análise pois a faço a partir do contexto do Rio de Janeiro, que durante mais de noventa anos tem sido o coração da educação teológica da denominação batista, mas isto não quer dizer que seja o melhor representante do pensamento batista a nível nacional
A tradição de zelo pela palavra de Deus que nossa denominação tem carregado ao longo da história, muitas vezes nos deixou muito próximos (quando não nos inseriu totalmente) do legalismo e da intolerância religiosa. Sei que ao registrar de forma escrita estas palavras corro muitos riscos, mas ser indiferente com o processo pelo qual estamos passando, num momento no qual tenho que refletir sobre a centralidade da Palavra no meio batista, seria assumir uma postura “a-histórica”, algo que não pretendo fazer.
Com o crescimento do movimento neo-pentecostal nas décadas de 80 e 90, muitos crentes batistas, bastante fartos do institucionalismo religioso e do estruturalismo eclesiástico, que por muitas vezes acabou ocupando o lugar da centralidade da Palavra no nosso meio, e tantos outros pela própria atratividade que uma prática religiosa mais mística estava oferecendo, começaram a esvaziar várias de nossas igrejas em direção às neo-pentecostais. Esse fato não é isolado. Também tem sido atestado, pelos pesquisadores das Ciências da Religião, que as igrejas protestantes históricas continuam experimentando um esvaziamento, ao contrário dos segmentos neo-pentecostais. E isto também tem acontecido no meio batista de uma forma ou de outra.
Nos anos já referidos, muitas lideranças batistas que, por longo tempo, combateram os segmentos e doutrinas pentecostais, viram não apenas os membros de suas comunidades debandando como também tantos inúmeros pastores, formados dentro de nossas instituições “padrão” de ensino teológico, saírem criando comunidades que ainda se auto-denominam com um sistema de governo batista mas no fundo possuem uma postura eclesiástica neo-pentecostal. Muitos desses adotaram tais medidas como rebeldia a um sistema que não consideravam mais eficiente.
A mudança de milênio foi marcada por diversos congressos de identidade denominacional, onde se pretendia reafirmar a identidade batista estabelecendo muitos debates em torno de nossos objetivos doutrinários e fazendo uma nova promulgação de nossos princípios, e etc. Com isso, a Bíblia, que sempre ocupou lugar central dentro de nossos valores, foi novamente evocada como a nossa base, de forma a mostrar que nunca abrimos mão da nossa regra de fé e conduta. Coincide com este momento a decisão governamental de começar a reconhecer os cursos de bacharel em teologia, exigido para a formação de nosso “clero”.
Entre as exigências do MEC está a abertura do curso e da instituição para que, estudantes de quaisquer credos religiosos tenham acesso às graduações de teologia oferecidas por nossas instituições de ensino superior. Uma grande polêmica se estabeleceu (e tem tomado palco em seguidas assembléias nacionais) nos últimos seis anos sobre a importância de se ter um curso de teologia reconhecido pelo governo e se abrir a instituição para pessoas de quaisquer credos religiosos ou de se manter a informalidade do curso e preservar o acesso apenas aos batistas vocacionados ao ministério pastoral.
A polêmica ainda não acabou, mas o caminho irreversível pelo qual todas as instituições de ensino teológico do meio batista estão tendo que trilhar para a obtenção do reconhecimento do MEC, acabou abrindo precedentes para algo que nunca acontecera em nosso meio: professores com doutorado, oriundos de outros segmentos denominacionais como os presbiterianos, luteranos, metodistas e etc, começaram a integrar os quadros de professores de nossas instituições, especialmente no Rio de Janeiro.
Somando-se a isto o fato de que, já é de algum tempo que nossos teólogos mais conhecidos no meio ecumênico deram preferência para realizar seus estudos de pós-graduação na Europa, ao invés de nos Estados Unidos, como de praxe. A convivência com uma teologia crítica e “liberal”, a descoberta dos rudimentos da exegese histórico-crítica (embora com 200 anos de atraso!!), o contato com os métodos de interpretação da Bíblia embasados na sociologia, antropologia, arqueologia e história, tem revolucionado a mente de nossos teólogos em ascensão.
Não posso deixar de crer que o crescimento do sentimento anti-americano pelo qual nosso país tem passado também tem afetado os teólogos em formação, que tem simpatizado cada vez mais com uma teologia bíblica que vem da Europa do que a que vem dos EUA. A ordenação de mulheres ao ministério pastoral também é um caminho irreversível, e que, embora não seja reconhecido oficialmente pela Convenção Batista Brasileira, através do sistema de governo autônomo que cada uma de nossas igrejas possui, torna-se impossível de controlar. Hoje já são quatorze pastoras batistas ordenadas por todo o Brasil. Há cinco anos era apenas uma.
Também é digna de nota a iniciativa que um grupo tem tomado, de organizar um movimento batista progressista, reunindo outros segmentos que sejam afinados com nosso sistema de pensamento mas com o objetivo de, principalmente, criar vínculos com outros organismos dentro e fora do Brasil e, acima de tudo, “enriquecer e celebrar a diversidade existente no meio batista e fortalecer nossa comunhão com os demais cristãos a partir de uma inserção mais organizada na sociedade, acreditando que temos algo a contribuir tanto no que concerne à diversidade/unidade do corpo de Cristo, bem como nas nossas relações com a sociedade mais ampla”[7].
Todos estes acontecimentos são também frutos de novos olhares sobre a Palavra de Deus, algo que vem como uma torrente em dia de chuva, e vai levando quem está mais próximo.
Muitos teólogos batistas na faixa etária dos 25 à 30 anos têm ingressado em instituições ecumênicas ou nas universidades católicas para um estudo mais crítico das Escrituras. São diversos os que hoje integram o quadro discente de instituições como PUC/RJ, UMESP e UCG. Isso tem obrigado a nova geração a dialogar com os outros segmentos cristãos.
Muitos de nós têm estado ansiosos por isto, outros tantos só “descobriram agora” que havia outros cristãos. É um quadro pitoresco de nossa realidade mas profundamente real. Uma enorme quantidade de batistas que tem “infestado” os eventos de ordem ecumênica como o Congresso Brasileiro de Pesquisa Bíblica promovido pela UCG, o Fórum Internacional de Teologia Contemporânea promovido pelo Instituto Milenium, Jornada Ecumênica, e que tem participado com alegria e emoção da eucaristia celebrada por sacerdotes católicos e pastores protestantes em eventos deste tipo, assumem, com isso, que não mais se consideram superiores aos demais cristãos mas são irmãos dos demais. Isso tem se espalhado como um aroma suave e fresco, de um tempo promissor, que a mim, particularmente, enche de emoção e esperança.

“Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais...”

O momento de transição é inegável. Mas neste processo de reafirmação de nossa identidade, e nunca abrindo mão da centralidade da Palavra de Deus em nosso sistema dogmático e de nossa “cultura” denominacional, temos que reconhecer que já não podemos mais caminhar numa via de exclusão dos outros cristãos. Nossa leitura bíblica precisa ser cada vez menos exclusivista e cada vez mais ecumênica e includente. Acredito muito na garra revolucionária destes teólogos da nova geração, que neste momento estão em fase de formação. Eles não mais se contentam com um institucionalismo que não se compromete com o Evangelho que tem os pés no chão, eles acreditam que a Bíblia ainda é a mensagem de esperança de todos os tempos para todas as gentes a partir do momento em que se faz vida e viva através de nossas ações.
Assim, posso encerrar dizendo que, batistas continuam tendo a Bíblia como centro de sua crença, todavia, o próprio processo de reafirmação da identidade, nos obriga a fazer uma releitura da Bíblia que conhecíamos. E nesse processo de releitura, temos sido magnetizados pelo fascinante campo da leitura comunitária e ecumênica, abrindo nossos horizontes para uma convivência muito mais saudável com outros círculos cristãos, que tanto quanto nós, têm a salvação de Jesus Cristo como experiência fundante, tornando-nos, a todos, portanto, membros de uma mesma família.
Só posso encerrar esta fala desejando que a maturidade “contra-correnteza” que é demandada diariamente de todos os cristãos, nestes tempos tão imaturos e confusos de pós-modernidade, nos leve a uma aproximação ainda maior com a Bíblia – palavra de Deus em palavras humanas, tão divina e tão humana, e por isso mesmo nos aproxime ainda mais de todos os seres humanos, alvos do tão imenso amor do “Deus que amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho” (Jo. 3;16) para morrer pelos nossos pecados.

[2] Cabe ressaltar que, CBB ou Convenção Batista Brasileira é o maior grupo batista no Brasil, tem sua origem nos grupos de missionários batistas enviados ao Brasil pela Convenção Batista do Sul dos EUA. Atualmente existem batistas que pertencem à segmentos pentecostais. Começando pela antiga Igreja Batista Regular, atualmente vinculada à Convenção Batista Nacional (CBN) e também inúmeras igrejas independentes de nome batista tem surgido derivadas do crescimento do neo-pentecostalismo, grande parte delas dissidentes da CBB ou da CBN. Nossas informações representam a vivência dentro da CBB.
[3] SOUZA, Sócrates de Oliveira. (org.) Pacto e Comunhão. Documentos Batistas. Rio de Janeiro: JUERP/CBB, 2004, p. 13.
[4] Idem, p. 14 e 15.
[5] Idem, p. 21.
[6] Idem, p. 30.
[7] Filosofia Aliança Batista Progressista. Manuscrito de circulação interna. 2005.

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