A PARÁBOLA DAS SEIS FLORES

Esse texto foi meu discurso de paraninfa CIEM (29/11/2008).
Um monte de gente pediu cópia, coloquei aqui para ficar mais fácil copiarem.

Parabéns, flores: Ivonete, Luzimeire, Floriléa, Josiane, Conceição e Juliany!

A PARÁBOLA DAS SEIS FLORES
Reflexão em Ec. 3,1-11

Profa. Lília Dias Marianno

O Senhor Criador, que fez o céu e a terra, a relva e os animais plantou neste mundo um lindo jardim. Vez ou outra o Criador re-inventa sua própria criação. E neste jardim chamado mundo, ele escolhe um cantinho, um canteiro especial para tratar de flores especiais. E foi assim, que um dia o Criador resolveu plantar 6 novas flores, 6 flores lindas, resolveu fazer uma experiência, tirou cada uma de um canto completamente diferente do jardim e começou a cultivá-las e tratar delas numa nova terra.

A primeira delas (Ivonete) é uma flor resistente, suas sementes vem lá do interior das Minas Gerais, de Mantena, interior gostoso, de gente tradicional. A flor estranhou a fumaça da cidade, mais ainda: a fumaça da teologia. Por um tempo quase morreu, ficou debilitada, e perguntou ao Criador: "mas por quê me tiraste da minha terra pra me plantar neste solo estranho, solo hostil, onde brota gente intelectualizada demais e me sinto tão pequena"? Mas um dia o Criador se revelou a esta flor e lhe disse: "você é mais forte do que pensas, não quero que pares por aí, ainda tens muito a aprender, este é só o começo".
A primeira flor mineira se alegrou, e descobriu que o aprender é uma dádiva do Senhor,e foi assim, que se dissolveu de tanto estudar. As outras flores do jardim pensavam: "ela vai enlouquecer"! Prá quê tanto curso de uma vez só? Mas a flor sabia, Deus sabia, e ela prosseguiu, completou primeira etapa, completou a segunda etapa, e enquanto cursa a quarta etapa, termina a terceira etapa... Ah, flor mineira, você vai longe, muito longe!
Tudo Deus fez formoso no seu devido tempo...

A segunda flor (Luzimeire) veio lá do nordeste, de Aracaju, da terra que dá caju e muita manga. De fato é uma flor tropical, da região das praias, dos coqueiros, dos côcos... Deus trouxe esta flor lá do nordeste e plantou aqui, neste Rio de Janeiro encantador e belo. Durante um tempo esta flor flutuava, meio aérea. Ela sabia porque estava aqui, mas faltava alguma coisa para lhe dar aquele "click". E assim esta flor ia e vinha, participava de todas as atividades do jardim como uma mera coadjuvante. Até que um dia o Criador pensou, ela está com saudade da terra dela, dos coqueiros... ! Então, num encontro completamente imprevisto pela lógica humana, o Criador trouxe lá do sul do continente um belo cavalheiro. Num belo dia o cavalheiro encontrou a flor do nordeste, e num passeio inocente ele sentou-se sob um coqueiro. Foi drasticamente atingido por um côco que despencou da árvore, quase quebrou o pescoço. A flor se desesperou e começou a cuidar do nobre cavalheiro. O perfume da flor atingiu o cavalheiro e o côco, tão comum em Aracaju, foi uma iluminação ao nobre rapaz. Daí em diante esta flor mudou. De aérea passou a líder, de apática passou a mais guerreira, de senhorita passou a senhora, de alguém que queria bancar a faxineira nas horas vagas, tornou-se enfermeira... é flor! Quanta mudança! Sábio é o Criador que trouxe o cavalheiro do sul e o côco verde do teu nordeste, pra lhe acordar pra vida! E agora você vai... Quem te segura agora? Ninguém!

Tudo Deus fez formoso no seu devido tempo...

A terceira flor (Floriléia) veio lá do norte do país. Do distante Amapá, no meio da Floresta Amazônica. Parece uma índia. Foi plantada no cantinho do jardim de Deus no Rio de Janeiro. Um belo dia, nas aulas do jardim, uma mestra lhe perguntou, você é peruana? Ela disse "si, yo soy"! rsrs. Essa era a única flor que trazia flor no nome. Flor disciplinada, diligente, caprichosa. Interessada nas línguas bíblicas a ponto de aprender quase sozinha, de tanta curiosidade.
Cumpridora de todos os seus deveres. Na reta final de seu tempo no jardim, esta flor descobriu coisas importantes sobre o amor. Primeiro que ele nos envolve, segundo que ele nos movimenta, terceiro que ele nos leva a proteger. O amor, ela descobriu, consegue fazer a gente se esvair, se dissolver. Na perda e na separação, ele causa dor cruel, insuportável e injusta. Mas o que será que o Criador pretendia ao lhe permitir sofrer tanto. Logo ela, tão correta? Quem sabe o Criador não queria ensinar que o justo sofre, que aquele que verdadeiramente ama padece de dor da separação. Mas que tanto a dor, quanto a separação são apenas uma pequena amostra daquilo que o Filho de Deus padeceu e sofreu, ao se separar do Pai e se dissolver, se desmanchar em amor pela humanidade.. esta flor se desmanchou de amor e conheceu o outro lado, o lado de quem se entrega por amar tanto aqueles que são julgados como bons, quanto aqueles que são julgados como maus. A dor de Cristo, é a dor da separação, dor que se converte em alegria quando aquele que estava apartado consegue se reaproximar, consegue se reconciliar... Ah Flor... quantas outras cenas parecidas você ainda vai presenciar?

Tudo Deus fez formoso no seu devido tempo...


A quarta flor (Josiane) é resistente também, ela veio daqui de perto, de Guarapari, no Espírito Santo, da terra da muqueca. Suas sementes, estão na terra dos capixabas, terra de gente amiga e simpática. Essa flor sempre teve muitas certezas. Quando o Criador a plantou neste jardim, suas certezas começaram a ficar abaladas. "Eu não entendo, professora, a senhora diz uma coisa, outro professor diz outra"... Durante um tempo ela se debateu no desconforto de ter que admitir que as coisas não eram bem do jeito que suas certezas sempre disseram que eram. Um dia essa flor conheceu o hebraico, conheceu a exegese e descobriu que sua intensa alegria era mergulhar na Palavra do Criador!Quanta coisa linda estava ali, naquela Palavra e ela não havia percebido antes! Quanta ousadia o Criador colocou neste livro. Que tesouro precioso são suas palavras. E a flor da terra da muqueca entendeu que seu prazer, verdadeiramente, é a Lei do Senhor. Ela vale a pena!Ela ensina tudo. Ela avisa de tudo, Ela aconselha tudo! A tensão desta flor está desaparecendo, daqui uns dias, ela vai concordar, como nunca concordou antes em qualquer etapa de sua vida, com aquele texto que diz "passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão"... e ela vai perceber que em TUDO, a palavra do Criador estava o tempo todo ali, criando, refazendo, dando novo sentido, sentido que vai lhe alimentar pelo resto do seu viver...

Tudo Deus fez formoso no seu devido tempo...

A quinta flor (Conceição) também veio do nordeste, lá de Santa Cruz, no Rio Grande do Norte, terra das dunas e das praias quentinhas. Esta era a flor mais tímida, mais recatada. Difícil conhecê-la. Reservada, comedida, prudente, coerente. Essa flor sempre gostou muito dos livros. Seu tempo no jardim era gasto, em grande parte, com os livros. Mas esta flor tinha uma coisa a aprender. O carinho e o amor do Criador, o carinho paterno de Deus. Um dia seu pai adoeceu e ela ficou aflita. Não podia estar perto dele, tinha medo de ele partir e ela estar aqui no jardim, tão longe... e foi assim que o Criador encontrou a brecha para mostrar a esta flor o quanto ele a ama. Seu pai na terra, convalescente, agora no tempo final desta flor no jardim, lhe disse: "filha, eu te amo". Esta palavra veio como um relâmpago do céu que incendeia onde passa. Essa flor entendeu. Meu pai me ama! E Deus susurrou no ouvido dela: "e eu te amo mais ainda!" Essa flor mudou, passou a sorrir, passou a sonhar com o amor. No meio do rodamoinho e do vendaval que muda as estações do jardim uma coisa a manteve firme: Meu Pai me ama! É flor... suas descobertas sobre o amor estão apenas começando... é em amor e por amor que você vai viver daqui pra frente. Tudo em que colocares a mão, terá que ser feito por causa deste amor que você começou a aprender o que é.

Tudo Deus fez formoso no seu devido tempo...

A sexta flor (Juliany) também veio da terra da muqueca, mas veio do interior, de Rio Novo do Sul, de uma casa das mulheres. Florzinha brava esta! Vermelhinha, parece um moranguinho. Inconformada todo o tempo... "ah professora...! (desabafo) ou então "ah professora..." (desalentada), ou ainda "professora... a senhora não sabe a metade!"
Mas como o Criador a ama! Que paciência o supremo jardineiro tem com esta flor. Num tempo em que suas inconformidades a sufocavam, o Criador dizia, minha flor, fica calada, ouve apenas, evita falar o que não deve para não se arrepender depois. Penso que esta deve ter sido uma das lições mais importantes que esta flor aprendeu durante seu tempo no jardim. No fim dos tempos, os ventos foram fortes, esta flor quase sucumbiu, quase sucumbiu porque, por breves instantes, não lembrou que tudo era o mover miraculoso e esvoaçante da mão do Criador quando mexe na ordem das coisas. Quando sopra seu vento criador que coloca ordem no meio do caos. Você já está aprendendo. Mas daqui uns tempos, você entenderá plenamente o que significa "o ouvir é melhor que o falar", e quando isto acontecer, o Criador vai sorrir novamente, pois Ele, mais do que ninguém, sabia que você conseguiria.
Tudo Deus fez formoso no seu devido tempo...

Um tempo passou, outro tempo começa.
E agora o Criador resolveu cortar vocês do jardim.
E colocou todas vocês, tão diferentes umas das outras, juntinhas num belo vaso e vai presentear o mundo com este lindo vaso de flores perfumadas.

Mas isto também significa que é o tempo em que vocês começam a morrer. Morrer para as certezas de outrora, morrer para os embaraços da vida, morrer para tudo aquilo que impede vocês na caminhada. Morrer para as pessoas que lhe afastam do Criador! Ah! Quanto morrer ainda será necessário?! Quem sabe com muita água fresquinha ainda durem mais um pouco, mas não devem se esforçar para se manterem vivas não. O tempo é outro!

O ministério do seguidor de Jesus é tomar cada dia sua cruz e segui-lo. Isso envolve uma crucificação diária, um morrer diário. Só quem morre pode ressuscitar. Quem insiste em forçar a vida na hora que é tempo de morrer, perde a oportunidade gloriosa da ressurreição. Vocês passaram um bom tempo no jardim, e se teve algo que o Criador ensinou a todas vocês, de um jeito ou de outro, ou de forma muito insistente, é que aqui é o lugar onde a gente aprende a morrer.

O morrer da flor é um morrer diferente do morrer da semente. A flor vai perdendo seus polens, deixando seu perfume e seus pedaços onde quer que ela é colocada. A semente é enfurnada na terra, ali apodrece escondida onde ninguém vê. Sô se vê depois que ela gera esperança com uma nova plantinha. A flor não. A flor perde pétalas, perde pólem, perde perfume, perde beleza, mas são estes pedacinhos que ela deixou espalhados, que foram voando pelo vento, que geraram incontáveis vidas por onde quer que elas passaram

Eu gostaria de dizer que o tempo que vocês tem pela frente é um tempo de glória, tempo de alegria e felicidade sem medida, na qual vocês nunca envelhecerão nem sofrerão, mas se eu dissesse isso, eu estaria mentindo. Mas sabe o que eu descobri? Descobri que o mais maravilhoso de ser uma flor neste jardim é poder gerar vida enquanto a gente se dissolve.

Só fertilizarão a terra se seus polens se dissolverem pelo ar
A essência de vocês perfumar esta vida. Sem flor não há fruto! Já pensaram nisso?
Se a beleza de vocês "durar pouco", não se preocupem, pois é quando começam a morrer que as flores podem conduzir a existência dos frutos.

Como eu disse no princípio, o Criador se dá ao direito de re-inventar sua própria criação. Nesta nova vida vocês serão não mais meras flores, mas flores-semeadoras. O que vocês semearem produzirá novas flores, novos frutos. O Criador também já nos disse que plantar também se faz com lágrimas, mas a alegria de ver os frutos é indescritível. (Aquele que sai plantando e chorando, volta sem dúvida com alegria trazendo consigo os molhos). Percebem? Só há riso onde houve pranto antes.

Entrar nesta reinvenção da Criação significa: assinar novos contratos em branco com o Senhor. Implica em não saber o que ele vai fazer. Não saber se as regras do jogo poderão ser mudadas repentinamente. Uma coisa que vc tinha por certa de repente não será mais certa.

É entrega total, confiança desmedida e integral naquele que conduz a história do mundo, naquele conduziu a existência da turma de vocês, naquele que continuará conduzindo a vida de cada uma de vocês.

Ficaram mais sensíveis?
Choraram muito mais do que imaginaram que chorariam?
Se decepcionaram com as pessoas muito mais do que esperaram?
Foram traídas por gente em quem confiaram?
Foram julgadas injustamente?
Tudo isso faz parte! Vocês tiveram uma boa escola!

Afinal, o que é ser discípula de Cristo senão passar também pelas dores que ele passou, pelas injustiças, calúnias e etc, sem que isso lhe faça perder a fé nas pessoas?
Isso é que é ser discípula: passar pelas dores e ainda continuar acreditando no ser humano, continuar amando este ser humano, continuar investindo nele.

Recebam neste dia, meus parabéns, meu carinho e minha oração para que Deus seja com vocês, em cada parte do Grande Jardim, onde Ele decidir plantar vocês.

Meu abraço,

Comentários

Anônimo disse…
Lilia,
Está simplesmente deliciosa a leitura da parábola.
Acho que as meninas foram privilegiadas ao escoherem a paraninfa.
Sabe que sou sua fã.
Parabéns!!!!
Garida disse…
Lília, bom dia.

Quero parabenizá-la pelo texto maravilhoso.
Margarida Ascócia
Kharis kai eirene
Prezada professora, "passei" pelo seu blog inicialmente para felicitá-la pela iniciativa de compartilhar seus textos com a blogsfera evangélica.

Será uma honra participar das discussões teológica de vossa lavra.

Um abraço
Esdras Bentho

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