Mente insana no corpo são

Quando se completa quarenta anos, a vida muda de perspectiva.
Dizem que os homens sentem que nasceram de novo.
Se sentem meninos e pensam que são adolescentes de novo, hehehe
As mulheres, por sua vez, entram na famosa "idade da loba"
Essa idade é maravilhosa! Estou amando cada segundo dela.
Mas o fato é que, quando cheguei aos 41, comecei a refletir sobre a velhice com uma curiosidade singular. Passei a me encantar ainda mais com a sabedoria do ancião e a me alegrar sobremaneira quando encontro estes velhinh@s bem vivid@s e bem resolvid@s
que nos transmitem tanta lição de vida com um simples sorriso
ou uma frase curta dita com muita precisão de conteúdo e de momento...
Comecei a querer ser um deles.
Dizem que depois dos 40 as mulheres não dizem mais que idade tem
e que escondem de todas as formas possíveis 
a visibilidade dos anos no seu corpo... 
eu acho isso tão engraçado!
É óbvio que eu gostaria de ter o corpinho dos 18 anos novamente,
que mulher não gostaria? Essa vaidade feminina tem endereço certo em quase todas as mulheres, mas abrir mão da experiência que esta  quadra de décadas me proporcionou?
nem pensar! Prefiro mil vezes ficar com a idade dos 40 no corpão dos 40.
Mas ainda olho para a boa velhice com um certo encantamento ...
E tenho pena das pessoas que vivem de uma forma que sempre querem voltar no tempo
para refazer as coisas, para ter uma segunda chance.
Quando olho para trás, não sinto esta nostalgia.
Sinto saudade dos momentos vividos, mas não mudaria nada da maioria deles.
Houve momentos na vida que, se tivesse maior maturidade, teria feito as coisas de modo diferente, mas quando olho para o meu coração naquela época,
era tão ardoroso, tão cheio de paixão por tudo que fazia, com tanta vontade de acertar
que, sinceramente, me perdôo pelos "nós" do meu passado com tanta tranquilidade
que às vezes penso que não sou muito normal...
Aí abaixo vai um conto que escrevi sobre velhice em 2007, baseado em fatos reais,
desses que a gente passa na cozinha de casa em qualquer dia da semana ...

TERAPIA DO RISO
Por Lília Dias Marianno
Esses dias eu estava na cozinha e, ao segurar o botão que ligaria o fogo, constatei a dura realidade: a gordura estava começando a chegar num nível insuportável no meu auxiliar de tarefas domésticas: João - o meu fogão. “Tá sujinho hein, velho”, falei para ele.
Interrompi tudo que fazia para esguichar um desses limpa-tudo – desengordurante –abrilhantador - polidor que a química moderna inventou para donas e donos de casa atarefados que não têm tempo de empregar seus músculos na dura tarefa de limpar aquela joça. Detesto limpar fogão!
Mas lá foi o João, sendo enchuveirado pelos esguichos de um Easy-off misturado com Veja multiuso. A alquimia no recinto estava no ápice, e os vapores daquela mistura toda subiam de forma tão bem disposta que tive que ligar o exaustor, pois o cheiro começava a me sufocar. Fiquei pensando como é fácil ser envenenado na própria casa e pelas próprias mãos. Basta usar um desses “limpa-tudo” mágicos divulgados pela mídia.
Para limpar direito tive que retirar as grades, depois os queimadores, as tampinhas dos queimadores, algumas estavam limpas, era só passar um pano. Mas outras precisavam ser lavadas com uma dose especial de disposição. Já era tarde. Coloquei a tampinha maior no queimador de origem e deixei as outras dentro da bacia da pia para lavar no dia seguinte.
Dia seguinte, hora da comida, aquele rush das onze horas que me faz colocar meus lentos pré-adolescentes em movimento de alimentação, verdadeiro trabalho de Hércules. Os queimadores do João estavam limpos no lugar, sem suas tampinhas. Lavei as ditas cujas, enxuguei, mas ao recolocá-las nos queimadores, constatei a ausência de uma delas. Fiquei intrigada. No dia anterior eu colocara três dentro da pia, só não coloquei a do queimador gigante, como é que agora só encontrava duas? A tampa gigante estava no lugar desde a véspera. Fiquei aflita, procurei, pensei: gente, será que joguei no lixo? Se foi isso minha caduquice está maior do que pensei. Revirei o lixo da cozinha. Nada. Revirei o lixo que se encontrava a caminho da lixeira fora de casa. Nada.
O tempo corria e eu tinha que preparar o almoço dos meninos para irem à escola. Fiquei chateada com a coisa. Como eu podia perder um componente tão importante do João desse jeito? Assim, do nada? Como isso acontece?
Quando os meninos saíram revirei todas as partes da cozinha, dali eu sabia que o objeto não teria saído. E danei a procurar, e procurar. Nada! Tive que começar a pensar onde eu poderia comprar uma tampa de queimador do mesmo modelo. Porque a que faltava, eu só podia ter jogado no lixo, lixo que já tinha tomado seu destino longe de mim há tempos, pelo jeito.
Passaram-se dois dias e eu ainda pensava na tampa do queimador. Mais dois dias cozinhando apenas com três bocas de fogo, pensando no ocorrido e completamente estupefata comigo mesma, na forma como a idade me faz perder o controle da situação à minha volta. Me senti cansada com cento e vinte anos, uma velha, senil que não consegue lembrar onde colocou um objeto cinco minutos antes, que coisa degradante.
Fiz uma prece por causa desta tampa: “Deus, preserve-me a memória, porque no dia que eu começar a esquecer de coisas tão recentes como esta é porque estou pronta pra partir desta vida. Ficar aqui com uma cabeça dessas, não dá não, é dar trabalho para os outros”.
Passada uma semana estava na hora de limpar João novamente. Em geral cozinho com muita limpeza no ambiente, o que me leva a esta mordomia de só limpar o fogão uma vez por semana, mas meu primogênito  tinha fritado hambúrgueres na cozinha e de repente  João e José (o exaustor) estavam irreconhecíveis. Impressionante como uma cozinha limpa, feminina, decorada, cheirosa se transforma numa barraca de camelô em pouco menos de cinco minutos. A fritura de um mísero hambúrguer, que poder destruidor!
Gordura, aquela coisa asquerosa estava lá de novo. Lá fui eu desta vez atacando José também. José estava numa situação interna deplorável. Ele não aspirava mais os vapores do cozimento. Como um canceroso dos pulmões que fora um fumante inveterado por toda a vida ele arfava ruidosamente aquela gordura que entrava violentamente por seu motor à dentro. Claro, limpar José sem limpar João depois era besteira.
Ao levantar as grades e retirar os queimadores para nova limpeza, exceto aquele quarto queimador que jazia sem tampa desde a semana anterior, fui surpreendida com uma cena inesperada: sobre a tampa do queimador maior havia algum relevo. Estranho. Chegando mais perto não discerni muito bem, mas quando discerni não cri: a quarta tampa estava ali, todo aquele tempo, em cima da tampa maior.
A tampa perdida, no lixo procurada, que inculcou a dona da casa e a levou à reflexões filosóficas sobre a fragilidade da condição humana e sobre a possibilidade de uma velhice inválida. A tampa que a fez levantar uma prece diferente, estava ali, camuflada pelas próprias reentrâncias circulares da tampa maior, aquela que não tinha ido parar no meio da pia.
Comecei a rir descontroladamente e passei uns quinze minutos sentada no chão da cozinha, dando gargalhadas que me arrancavam lágrimas e me doíam a barriga. Estava sem forças para levantar de tanto que ria e pensando: meu Deus, o nível de caduquice está pior do que eu pensava! A senilidade já chegou e eu nem percebi. A tampa nunca saiu daqui. Minha cegueira é que não me permitiu enxergá-la, e eu cozinhando durante uma semana com apenas três bocas de fogo. João, porque você não me mostrou isso, seu indecente!
Ainda bem que meus filhos não estavam em casa, se me encontrassem sentada no chão da cozinha chorando de tanto rir teriam ligado na mesma hora para minha mãe. Até imaginei a cena:
“Alô, vó, é você vó?”
“Eu sim, é você Daniel?
“Sou eu! Vó, corre aqui! Minha mãe tá passando mal!”

Idade... ela chega! Querendo ou não querendo!
Se aprendermos a dar gargalhadas das peças que ela nos prega passaremos a velhice rindo, e rindo muito!

Comentários

Borboleta disse…
Querida Lília, encontrei seu blog por acaso (numa pesquisa do Google)e confesso que amei seus textos...tanto que me tornei sua seguidora. ;)

Essa do fogão foi demais...ri muito!

Que Deus te abençoe!

Aproveito e deixo o convite para uma visitinha no meu blog Alicerces da Alma.

Shalom!!!
Lília Marianno disse…
OI Gisela! Essa coisa de percepção é algo realmente muito singular.
Fique à vontade aqui no blog, ok? Tem um bocado de coisas armazenadas aí. Um grande abraço!

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