RIBLA - Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana (1986 - 2006): memórias e Perspectivas
Lília Dias Marianno [1].
Mais nova que a revista Estudos Bíblicos, RIBLA[2] tem estado presente na trajetória dos teólogos biblistas latino-americanos há aproximadamente 20 anos. A primeira edição de 2005 comemorou os 50 números da Revista. O Dr. Milton Schwantes narra os inícios da revista no editorial desta edição com as seguintes palavras:
“A revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana/RIBLA é fruto de um sonho que vem sendo respirado há muito tempo: a América Latina e o Caribe têm seu berço no mesmo episódio, o da expansão da vida européia para novas terras. Esta conquista se sobrepôs violentamente aos povos que aqui viviam e que passaram a ser chamados de índios. Importou para cá nações africanas que, naqueles tempos, já estavam sob domínios escravistas europeus. E, enfim, para estas novas terras expulsou quem por lá, em terras européias sobrava, porque havia empobrecido em demasia ou porque aqui quisesse fazer rápidas riquezas e por outros tantos motivos. Em meio a este turbilhão de gentes, de origens tão diversas, portadoras de alegrias marcantes bem como de tristezas profundas, de jeitos diversos, esta Revista busca um encontro, um encontro de horizontes. [...] A Revista é fruto de encontros. É assim que a experimentamos, desde seus começos. Ela é fruto do desejo de intercâmbio. Estamos nos encontrando desde o primeiro semestre de 1985. A primeira vez foi na casa de Jorge Pixley, que naqueles anos vivia na cidade do México; na ocasião reunia-se uma comissão de estudos, promovido pelo Conselho Mundial de Igrejas. No contexto deste encontro, juntaram-se alguns biblistas para idealizar a elaboração de uma revista latino-americana que recolhesse a variedade de novas leituras e experiências bíblicas. Meses depois fizemos um encontro similar em São Paulo, com um grupo de outras pessoas. Daí resultou a projeção de um encontro de biblistas de mais outros países, como do Chile, da Argentina, da Bolívia, da Colômbia, tendo a intuição de uma revista, simultaneamente em português e em espanhol, para que crescesse o intercâmbio entre nós, em busca de melhor entender as transformações culturais e sociais latino-americanas e caribenhas formuladas em linguagem de interpretação bíblica” [3]
Assim, usando as definições do Dr. Schwantes, diríamos, sem medo de errar, que RIBLA é resultado da troca que acontece no encontro de gente que cruza fronteiras. Um intercâmbio de interpretações bíblicas transculturais promovido em solo latino-americano e caribenho, de gente que tem que atravessar o país, cruzar as fronteiras e andar com o passaporte em dia para manter aceso o propósito da leitura popular da Bíblia. RIBLA transforma em hermenêutica e exegeses bíblicas as experiências concretas de grupos indígenas, afro-descendentes e nativos no nosso continente. Nem todos os nossos colaboradores são latino-americanos, temos alguns da outra América e também da Europa, mas por alguma razão, estes colaboradores viveram neste solo e vivenciaram a Bíblia no chão desta terra trabalhando com o povo nativo, sendo “um de nós”. Povos nativos daqui e povos nativos de lá, que em algum momento cruzaram fronteiras, se encontraram e trocaram idéias e sonhos sobre a influência da Bíblia na vida do nosso continente.
RIBLA é uma revista de fronteiras. Fronteiras que são cruzadas para os encontros de estudo, das temáticas a serem abordadas, para os planejamentos dos números que seguem no prelo, para a discussão dos rumos da teologia bíblica na América Latina e Caribe. Fronteiras que são cruzadas constantemente pelos latinos e brasileiros que por vocação e dedicação ao estudo da Bíblia saem de suas terras para cursar especialização bíblica num outro país, dentro ou fora do continente. Daqui para Europa ou América do Norte, ou migrando dentro da própria América Latina e Caribe. Fazendo uma passagem rápida pelos rostos dos/as colaboradores/as de RIBLA, não nos recordamos de um/a sequer que tenha vivido o tempo todo em sua terra sem ter que migrar. Todos, ou pelo menos a maioria, ao menos uma vez na vida, por causa do estudo da Bíblia, tiveram que cruzar fronteiras e morar longe de suas próprias culturas. RIBLA é uma revista de colaboradores migrantes e porque não dizer também peregrinos.
RIBLA também é uma revista de releituras da vivência ecumênica. Temos observado nos encontros que a Revista está constantemente se relendo. Faz estudo da trajetória percorrida para estabelecer a estratégia do avanço. Este processo constante de auto-releitura é uma vereda que a Revista trilha com muita naturalidade, faz com gosto e produz resultados muito significativos.
As mulheres têm espaço especial na Revista. A maioria das edições equilibra o número de colaboradores e colaboradoras. As mulheres de RIBLA se reencontram com certo espaço de tempo, fora do encontro geral da Revista, para avaliar o caminho percorrido e avançar com novas pautas hermenêuticas. Na mesma edição n. 50 está o texto que é resultado dos encontros de reflexão, avaliação e projeção de novas pautas hermenêuticas da teologia bíblica feminista latino-americana do ano de 2004. “Avalia e reflete a caminhada de mulheres biblistas junto ao povo no trabalho com a Bíblia. Rememora avanços e esboça desafios hermenêuticos, epistemológicos, metodológicos, (est) éticos. Reafirma nossa fidelidade a Deus que se manifesta como compromisso junto ao povo empobrecido, principalmente mulheres, crianças e outras minorias qualitativas. Reafirma nossa identidade feminista de libertação”. [4]
RIBLA é uma revista de opção pelos pobres. Este é um compromisso assumido e sempre relembrado para que nunca seja negligenciado. As temáticas escolhidas para cada número são frutos dos debates entre os colaboradores, das necessidades de intervenção bíblica que se fazem prementes em nosso chão, sempre olhando para as experiências concretas de vida de grupos desprivilegiados e que sofrem qualquer tipo de segregação social, étnica ou sexista. A necessidade constante de intervenção da teologia bíblica nas situações do cotidiano de nosso povo movimenta as temáticas da revista pelas fronteiras da economia, da política, da ecologia, da religiosidade e da história da nossa sociedade.
É bonito ver, por exemplo, como a vigília semanal que já dura três décadas, das Madres de la Plaza de Mayo (pelos seus filhos e netos, presos políticos em Buenos Aires), se transforma num artigo sobre hermenêutica das genealogias dos heróis bíblicos publicado em RIBLA 41, e anos mais tarde se concretiza numa visita de todo o grupo de colaboradores no Café de las Madres e na discussão dos eventos políticos e sociais que mobilizam estas mulheres há tanto tempo[5]. É assim que RIBLA vai fazendo seu caminho, e vai trilhando o seu chão. Encontro de gente, que cruzou fronteiras para encontrar gente, para ler gente, para se reler, para ler a Bíblia com gente.
RIBLA é fruto de um ideal que não pode morrer. É um amplificador do texto bíblico como voz profética contra as injustiças que se promovem contra toda a criação de Deus: seres humanos, animais, a natureza. Por isso mesmo a nova geração de biblistas, que desejar palmilhar a trilha da hermenêutica libertadora da palavra de Deus, será bem-vinda[6]. A reflexão inovadora que mantenha o foco no compromisso da Revista é recebida de braços abertos e com alegria. A Revista respira esta necessidade de mentes novas, centradas na Palavra, que mantenham a perspectiva e a chama do ideal libertador acesa.
Os temas são escolhidos em conjunto. As publicações são projetadas de forma que se intercale uma edição dedicada a livros bíblicos com uma edição temática. O planejamento já está feito até 2010, uma vez que os colaboradores se encontram apenas uma vez a cada ano e meio. Em termos de projeção, os biblistas de RIBLA estão trabalhando para trazer aos seus leitores dos próximos números as seguintes temáticas:
53 (2006/2) - Interpretação bíblica em busca de sentido e compromisso (Métodos int.)
54 (2006/2) – Raízes afro-asiáticas no mundo bíblico
55 (2006/3) – Cartas Deuteropaulinas
56 (2007/1) – Masculinidades
57 (2007/2) – Reprodução humana
58 (2007/3) - Apócrifos do Segundo Testamento
59 (2008/1) – Vida em comunidade
60 (2008/2) – Profetas Anteriores
61 (2008/3) – Alianças
62 (2009/1) – Cartas Paulinas
63 (2009/2) – Migrações
64 (2009/3) – Religiões populares do Mediterrâneo.
Estão definidos também os temas das edições 1 e 2 de 2010. O próximo encontro da Revista acontecerá no ano de 2008 no Equador. O desafio de RIBLA é permanecer como publicação impressa no meio da proliferação de documentos eletrônicos, no qual o seqüestro de propriedade intelectual e o plágio em trabalhos acadêmicos ficam assustadoramente facilitados. É importante que os professores de Bíblia estimulem a assinatura da revista para as bibliotecas de suas instituições de ensino e também por parte de seus alunos.
[1] Comunicação apresentada em Setembro/2006 em Goiânia, na Universidade Católica de Goiás
[2] Frei Ludovico Garmus me incumbiu a tarefa de fazer uma síntese da revista RIBLA para este Congresso, mas preciso avisar o leitor que este será um relato de uma colaboradora apaixonada pela revista, pelo seu ideal e pela sua forma de trazer para o povo latino-americano e caribenho, novas possibilidade de interpretação bíblica; o relato de alguém que experimenta encontros transformadores com os textos da Revista. A comunicação apaixonada gerou um texto menos acadêmico.
[3] SCHWANTES, Milton; RICHTER REIMER, Ivoni. Editorial. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana. Petrópolis, n.50, p.7-8, 2005/1.
[4] RICHTER REIMER, Ivoni; BUSCEMI, Maria Soave. Respiros... entre transpiração e conspiração. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana. Petrópolis, n.50, p.157, 2005/1.
[5] Refiro-me ao encontro de RIBLA em Buenos Aires do ano de 2006 e ao artigo de Sandra Mansilla, que toca neste assunto: MANSILLA, Sandra Nancy. Hermenêutica das linhagens políticas: um estudo sobre os discursos em torno das genealogias e suas implicações políticas”. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana. Petrópolis, n. 41, p. 92-102, 2002/1.
[6] Falo disso por experiência própria, pela forma calorosa como fui acolhida pelos veteranos quando participei do meu primeiro encontro de RIBLA no ano de 2004.
Comentários
mudei-me a pouco p/ a cidade do Rio de Janeiro, gostaria de saber como e onde posso me engajar em alguma Ceb ou algum trabalho da Teologia da Libertação.
A forma mais prática é vc participar do CEBI RJ, em qual região vc está? posso te passar alguns contatos. um abraço!
você poderia me passar seu e-mail, o meu é paulo.che@hotmail.com.
Obrigado.
Paulo Pires